Concheiros de Muge
Concheiros de Muge
Concheiros de muge e o complexo mesolitico. O homem nos tempos pré históricos em Portugal

Complexo Mesolítico de Muge

Mapa dos Concheiros
Concheiros Muge

Este complexo ocupa uma área situada a 70Kms de Lisboa, entre Salvaterra de Magos e Almeirim, sendo que os concheiros se encontram ao longo de três ribeiras, Ribeira de Magos, Ribeira de Muge (Ribeira de Muja) e Ribeira da Fonte da Moça. Foram, desde 1863, encontrados e estudados 13 pontos arqueológicos onde foram encontrados mais de 300 esqueletos humanos fossilizados (o último em 2012) para além de inúmeros animais. É um dos mais importantes complexos mesolíticas encontrados o que permitiu estudar muitas das características dos nossos "antepassados" (existem dúvidas se realmente foram os nossos antepassados). Os três mais importantes foram classificados como património histórico nacional.

A Descoberta

Ribeira de Muge pré-história
Ribeira de Muge na pré história

Descobertos no Séc. XIX por Carlos Ribeiro (o pai da arqueologia Portuguesa), são dos sítios mais conhecidos da arqueologia pré-histórica. São característicos por neles existirem grande acumulação de conchas, conchas essas que são depósitos de restos de alimentos (lixeiras) e onde depositavam os mortos. Durante milhares de anos, devido a processos químicos ainda não totalmente estudados (neste caso) fossilizaram os restos depositados.
A primeira intervenção arqueológica no sítio, dirigida por C. Ribeiro, ocorreu em 1880 por ocasião do IX Congresso de Arqueologia e Antropologia.

Quando viveram aqui

Foram as últimas sociedades de caçadores recoletores no Centro e Sul de Portugal. A ocupação destes locais aconteceu imediatamente a seguir à última glaciação, encontraram-se restos que, ao serem datados por Carbono 14, demonstraram que existiu uma ocupação durante um período de 1000 anos entre 5000 e 6000 a.C. Segundo os últimos estudos em 2012 por Nuno Bicho, comprovou-se com um grande grau de fiabilidade que estas ocupações foram interrompidas durante algumas dezenas/centenas de anos e reocupadas mais tarde. Posteriormente toda a zona sofreu ocupações durante o neolítico e ocupação romana, no entanto a zona dos concheiros preservou-se devido à descida das águas e as ocupações posteriores aconteceram mais a norte e mais a sul. Já existindo uma ocupação sedentária mais a norte no mesmo período, na Serra de Aire e Candeeiros, foram os últimos caçadores recoletores da península ibérica.

De onde vinham as conchas

Ribeira de Muge antiga
Limite da influência das marés na ribeira de Muge:
A) 3800 cal BC, B) 6000 cal BC, C) 5500 cal BC
1,2,3,4,5 localização de alguns concheiros

O vale da ribeira de Muge, de orientação Este-Oeste provavelmente devida a uma pequena falha perpendicular ao vale do Tejo (Barbosa, 1995), foi escavado nos depósitos aluviais quaternários que se estendem cerca de 10km para Este da confluência com o Tejo. Aparentemente, o vale foi inundado pelas águas do mar, durante a transgressão flandriana, cerca de 6200 cal BC, ficando sob a influência das marés e tornando-se, consequentemente, num ambiente estuarino, o que terá favorecido a instalação das comunidades mesolíticas nesta área que corresponderia, então, ao limite interior do estuário do Tejo (Van der Schriek et al., 2008); na área entre a (4) Moita do Sebastião e (5) Cabeço da Amoreira (dois concheiros estudados), o fundo do vale estaria, nessa época, cerca de 8 a 10m abaixo do vale atual (cf. amostra MUG-5, sondagem 20, em Van der Schriek et al., 2008: 138). A influência das marés na área dos concheiros parece ter-se prolongado até cerca de 4700 cal BC, coincidindo o fim da ocupação mesolítica com o recuo do estuário devido à sedimentação aluvial holocénica (Van der Schriek et al., 2008; Jackes e Meiklejohn, 2004; 2008). Neste período, as águas salobras que agora apenas chegam até Vila Franca de Xira, chegavam até 3,5Km ao longo da Ribeira de Muge. Abundavam a lambujinha, ameijoa e o berbigão de onde resultam as enormes quantidades de conchas encontradas.

De que se alimentavam?

Auroque
Auroque Ibérico

Os registos fossilizados mostram que muita da alimentação era de origem aquática (bivalves e gastrópodes mas também de peixes de média dimensão) mas também de origem terrestre. Foram encontrados restos de veado, corço, lince ibérico, esquilo vermelho, espécies que já não existem na região, mas também javali, gato bravo, coelho, lebre, sacarrabos e, sobretudo, auroque (o bisonte ibérico, na realidade, era mais o antepassado selvagem da vaca doméstica, extinto desde 1627). Metade da alimentação era aquática, no entanto, nos restos dos fósseis analisados, os elementos mais jovens tinham uma alimentação com uma menor percentagem de alimentos aquáticos. Já naqueles tempos os jovens comiam menos peixe, há coisas que não mudam.

Quanto tempo viviam

Pelas ossadas encontradas, a esperança de vida situava-se entre os 30 e 40 anos, acima da média para a altura, o que revela uma local com abundância de alimentos e com pouco risco. Foram encontradas algumas ossadas de indivíduos com mais de 50 anos de idade.
Das ossadas encontradas, apenas 4% apresentavam sintomas de lesões (braços, pernas fraturadas) mais consistentes com acidentes de caça ou do dia a dia, o que revela que não existia uma rivalidade agressiva entre os vários grupos.

Como eram?

Homem de Muge
Tentativa Reconstituição Homem Pré Histórico
Escultor Agostinho Rodrigues
Museu História Natural FCUP

Na década de 1930, quando se iniciou o regime ditatorial de Salazar, os trabalhos arqueológicos foram dirigidos por Mendes Corrêa (1888-1960). Este investigador estudou os esqueletos humanos de Muge que batizou Homo afer taganus. Pelas suas características físicas admitiu que essa população tinha origem no Norte de África. A sua teoria levantou questões polémicas num país que possuía grande número de colónias em África e procurava afirmar a sua supremacia e singularidade pela construção da "Historia do país e do Império português".

No inicio do Séc XX, muitas foram as discussões cientificas entre os investigadores que, nessa altura, usavam os jornais para debaterem os seus argumentos e provas cientificas. Em 1928 Mendes Côrrea definia assim os restos encontrados "(...) não é nem neandertaliano, nem cro-magnoniano, nem de raça Chancelade, nem do tipo de Baumes-Chaudes, nem idêntico ao mediterrâneo ou ao tipo médio português atual. É um tipo que tem caracteres negróides (...), alguns australóides (...) e mesmo uma estatura baixa, aproximando-os dos pigmeus africanos. Dos tipos quaternários da Europa, seria o proto-etiópico Homo aurignacensis o que com ele mais semelhanças possuiria (…)" (CORRÊA, 1928:110).

Foi atribuído um nome à espécie, primeiro "Homem de Mugem" e depois com uma conotação mais cientifica "Homo Afer Taganus". “Homo afer” é uma das seis subdivisões delineadas por Lineu (Linnè 1806:9) para quem Homo afer tinham as seguintes características: Preto, fleumático, relaxado. Cabelo preto, frisado, pele sedosa, nariz chato, lábios intumescidos, esperto, indolente, negligente. (Cf. Lester 1976:20-21)
Não são, por isso, os nossos antepassados, no entanto, existem dúvidas sobre o que lhes aconteceu e se existiram cruzamentos posteriores com a raça Beaumes-Chaudes (os conquistadores daqueles tempos). O português atual, com exceção dos inúmeros cruzamentos com outras raças que são muitos, caracteriza-se por ter desenvolvido a mutação M343 originando o Haplogrupo R1b comum a Espanhóis, Franceses e Ingleses.

Estudos antropométricos mais recentes mostram que os restos osteológicos de Muge revelariam que nela teriam convivido representantes de dois tipos físicos distintos. Alguns autores consideram mesmo que é das primeiras evidências de cruzamento inter-racial (mestiçagem). Esta é uma área atualmente em estudo, vamos aguardar que se esclareça esta dúvida que surgiu aos investigadores há mais de 150 anos e que, desde as primeiras descobertas, muitas discussões e debates científicos gerou.

Apontamentos de Mendes CorreiaApontamentos Arqueológicos de Mendes Correia

Excerto do caderno de campo de Mendes Corrêa, relativo às campanhas de escavações no concheiro do Cabeço da Amoreira(1931, 1933).

 

Viviam de forma permanente junto aos concheiros?

Existem duas teorias, uma a de que usavam a zona de cada concheiro de forma ocasional (para uma caçada/pescaria) e que se deslocavam para outra zona. A outra a de que, não deixando de ser caçadores recoletores, usavam a zona dos concheiros como habitação permanente.

Foram encontrados no local a marcação das estacas nas cabanas o que indica, pelo menos, que passavam algum tempo em cada uma das zonas (apenas existindo água salobra é pouco provável uma habitação permanente, o mais certo era usarem estes locais como pontos de caça/pesca). Os grupos eram compostos de 10 a 20 indivíduos.

Como caçavam pescavam e que utensílios usavam?

Silex em Muge
Utensílios em Silex
Museu Geológico de Lisboa

Os utensílios encontrados nos concheiros de Muge são obtidos a partir de dois tipos de materiais: lítico e osteológico. Dentro do material lítico podemos encontrar sobretudo utensílios em sílex, quartzito e quartzo.

O sílex, não estando presente na região, seria obtido na margem oposta do Tejo (Marchand 2001) em minas de sílex que, segundo Rolão (1999: 83), se situavam em locais como o Camarnal e Quinta do César. Os utensílios em sílex são na sua maioria de reduzidas dimensões obtidos a partir de núcleos com um diâmetro raramente superior a 5 cm (Roche 1982: 13).

A madeira foi certamente um dos materiais mais utilizados, a grande abundância de florestas disponibilizava grandes quantidades de matéria-prima para muitos dos utensílios. Canoas, cabanas, lanças, arpões e setas, foram certamente algumas das utilizações dadas a este tipo de material. Outras plantas seriam também utilizadas para fabricar cestos, armadilhas de pesca, redes ou contentores que, devido às condições geoquímicas destes locais, não se conservaram até hoje. Em sítios como as turfeiras da Dinamarca foi possível conservar inúmeras estruturas em madeira como armadilhas de pesca, fragmentos de canoas entre outros (Andersen 1995, Malm 1995, Lubke 2003).

A presença de espécies marinhas como a M. aquila e de espécies de peixes de grande e médio porte (Corvina) torna necessário admitir o domínio da navegabilidade dentro do sistema fluvial.

O cão Português mais antigo

O cão Português mais antigo
Cão Doméstico Muge
Museu Geológico de Lisboa
  • Devia ter o tamanho do cão-de-água português, embora ainda não existissem raças.
  • Confundir-se-ia com o lobo, do qual descende?
  • Teria pelo castanho?
  • Chamar-se-ia Bobie ou Nero (isto se calhar é exagero)

Podemos imaginá-lo deitado com o focinho no chão, sentado à entrada da cabana dos seus donos. Ao entardecer, a lareira na rua, que tanto afugenta os animais como conforta durante as noites frescas de fim de Verão, já crepita, à espera que o grupo de homens regresse da caça. Magoado numa pata, desta vez não pôde acompanhá-los em mais uma correria atrás dos coelhos ou, mais destemidamente, de um veado ou javali. Até o grupo surgir carregado de caça pelo vale adentro da ribeira de Muge, tirando-o daquela pasmaceira, perde-se a pensar como seria a sua vida se não se tivesse tornado o melhor amigo do homem, enquanto vai salivando pelo quinhão de carne que vai calhar-lhe.

A história bem podia ter-se passado há 8000 anos, tantos quantos se confirmou ter o esqueleto do cão mais antigo do território português.

Descoberto no final do Séc XIX por Carlos Ribeiro, o seu esqueleto, com 8000 anos já confirmados por datação, passou despercebido, até dois cientistas se aperceberem do seu valor 120 anos depois. Testes de ADN tentam dar pistas sobre domesticação do cão na Península Ibérica.

O registo quase completo resumia-se quase a uma etiqueta "Quarta escavação, 20 metros Este da estaca mais alta do cabesso, quatro metros de fundo, Mugem 1880".
Esta descoberta, entre outras, alcançou projeção mundial, o que possibilitou que Lisboa acolhesse, em 1880, a IX Sessão do Congresso Internacional de Antropologia e Arqueologia.
O cão é uma das 27 maravilhas do Museu Geológico de Lisboa.
(Público 08/08/2011)

O que lhes aconteceu para deixaram o local?

Os registos de ocupação terminam com o fim da influência das marés na área dos concheiros (4700 cal BC), não se sabe ao certo o que aconteceu, ter-se-ão misturado com a população sedentária mais a norte? Ter-se-ão extinto por conquistas territoriais? Ter-se-ão deslocado? Um facto é que não foram encontrados registos desta raça em mais nenhum local.

Que vegetação e clima existiam?

Clima em Portugal Holocénico
Clima em Portugal Holocénico

A vegetação não difere muito da atual (com exceção dos eucaliptos), eram abundantes os sobreiros, os pinheiros e oliveiras. Em relação ao clima, era muito semelhante ao atual, alguns investigadores consideram mesmo que as temperaturas eram um pouco acima das atuais.

Que diferenças existem no relevo

O relevo, para além das alterações provocadas por trabalhos agrícolas e da construção da Barragem de Magos e Paúl de Magos, não difere muito da existente na altura. Pode-se extrapolar que, quando existem cheias do Tejo atualmente, as águas atingem sensivelmente a mesma altura que, nessa época, atingiam as marés. As colinas continuam lá.

 

Onde são os concheiros?

Concheiros de Muge, Cabeço Amoreira 2015
O último local com intervenção arqueológica
2012-2013
nos concheiros de Muge, foto de 2015

Os concheiros ainda com elevado grau de preservação encontram-se em propriedade privada com acesso vedado (Casa Cadaval). Dos 13 descobertos, muitos deles foram irremediavelmente destruídos não só por trabalhos agrícolas como pela construção de infraestruturas (Paúl de Magos e Barragem de Magos).

 

Já tudo foi descoberto?

Novos concheiros
Novos concheiros

Não, os últimos estudos baseados em cálculos informáticos do departamento de arqueologia da Universidade do Algarve revelaram outros locais com potencialidade de conter registos pré-históricos. Com o apoio de diversas entidades (Fundação Caloust Gulbenkian, Fundação para a Ciência e Tecnologia, Casa Cadaval, Icarehb ), estão a ser desenvolvidos modelos preditivos em SIG na descoberta de novos sítios mesolíticos que podem trazer novos dados ás descobertas anteriores e a novas localizações de ocupação. Uma simples verificação superficial de alguns desses locais, revelaram de imediato silex na superfície, um material que não existe na zona.

Onde posso ver o espólio encontrado nos concheiros?

Os restos encontrados nos concheiros de Muge podem ser visitados no Museu Geológico de Lisboa.

 

Este ponto está situado na localidade Muge

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